sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A corrida

Tive muitas dúvidas em escrever hoje. Quem me conhece sabe que sou extremamente confessional nas minhas palavras escritas. E quem não me conhece, quando as lê, não desconfia que ali, na maior parte do tempo, há confissões. As letras são cifradas. Nada é claro. Levanta dúvidas. Como sou eu, o tempo todo: dúvida ad eternum.

Mas aqui, hoje, faço uma confissão direta para tentar não pirar em definitivo – somente naqueles momentos em que é preciso pirar para não ficar maluco, como disse certa vez um interno do Hospital Pinel, aqui do Rio de Janeiro, para uma grande amiga que o entrevistou: “maluco é quem não pira”.

Meu pai tem câncer. No fígado. Resultado de uma cirrose mal-tratada, causada, por sua vez, pelo excesso de bebida alcoólica. Ele tem de fazer quimioterapia e passar por todo aquele processo que todos nós sabemos como funciona. E também entrar na fila do transplante. Se ele aceitar. Porque meu pai não é fácil. Não parou de beber mesmo depois da cirrose. Não aceita a idéia de transplante. Quer morrer, embora não diga isso claramente. Há uma possibilidade de transplante entre-vivos. E pelas informações iniciais, eu seria o doador, pela compatibilidade sangüínea.

Pronto, confessei! Diretamente, sem medo. Mentira, com medo. Muito medo. Medo do amanhã. Medo de eu ser a última salvação de meu pai. Medo dos riscos que eu corro se eu for a última salvação do meu pai. Medo de fazer companhia ao meu pai no destino próximo dele. Medo do que será da minha vida após meu pai. Sem pai.

Também confessarei o extremo egoísmo que me preencheu após a notícia da doença: a passagem do bastão. Sim, a corrida passa agora por (mais) uma transição. Com a ida do meu pai, com o fim do trecho dele na corrida, eu entro no meu último trecho. É da natureza humana: nascer, crescer, reproduzir, envelhecer, morrer. Aprendemos isso no primário. Já cumpri os três primeiros verbos. Começo a entrar no penúltimo deles, para atingir, enfim, o último. E passar o bastão da “próxima vítima” para minha filha.

Claro, a vida nem sempre segue o caminho natural. Nada impede que, mesmo com o fim decretado do meu pai, o meu fim chegue antes. Vivo no Rio de Janeiro, onde viver é sempre uma grande aventura, fumo horrores, tenho tendência a hipertensão – herança genética de meu pai, aliás –, não tenho feito atividades físicas e não sei se tenho um aneurisma prestes a explodir na minha cabeça a qualquer momento. Posso terminar esse texto e ir. Posso durar até os 100. E – para mim, o pior dos mundos –, Deus pode me fazer uma surpresa e encerrar a corrida da minha filha antes da minha expirar. Mas isso faz parte das surpresas. Não há como se preparar. Mas para a natureza, sim. Sabemos onde chegaremos. No fim. Naturalmente.

Por tudo isso, também me aterroriza a idéia de que o bastão passa em definitivo para as minhas mãos. Com a saída de meu pai do jogo, resto eu. Eu como o último corredor na minha corrida-vida, aquele que levanta o estádio na expectativa de ganhar uma medalha, ou melhor, de ganhar o tempo e estender a distância até o máximo possível, para, enfim, diminuir o ritmo e passar o bastão para o próximo corredor. Colocar as mãos nos joelhos e soltar o último suspiro. E ir para o vestiário.

Confesso que mais que a perda de meu pai, que sempre considerei um caminho natural, apesar do vácuo que ficará na minha vida, dói mais a idéia de que meu fim vai também chegando. E eu não quero isso. Terei de me acostumar. E continuar correndo. Até começar a ver a minha filha adiante, na curva da pista, pronta para pegar o bastão. E seguir para o vestiário. Essa é a vida. Mas que dói, dói.

6 comentários:

Anônimo disse...

Meu amigo querido, que saudade danada eu sinto d você e dos nossos bons bate-papos. Saiba que estou dividida entre a felicidade de voltar a ler suas palavras (como uma boa grande fã) e a tristeza de saber sobre seu pai. Mas eu sei da força que você tem e que não vai te faltar nesse momento. E eu tô por aqui, pro que der e vier. Um beijo enoooooome no seu coração, com muito carinho e saudade.

Beto disse...

Primo, é na dor que a gente cresce. Ninguém quer que doa. Mas infelizmente vez ou outra ela vem. Fé. É só o que posso te recomendar.
abs apertados!
Beto

Anônimo disse...

Pensar na morte é realmente algo que doí..ainda mais quando já pensamos estar próximo a ela..
Ninguém irá se acostumar com essa dor,com a idéia de ficar longe das pessoas que mais amamos..
Mas infelizmente faz parte da vida..até porque se não morréssemos não caberia tanta gente no mundo ..
A única coisa que nos resta é sermos fortes.. pedir força a Deus p/ que essa dor não nos tire a vontade de viver..É com a dor que aprendemos e quem sabe até mudamos a maneira de viver para que os dias sejam mais longos..
Que Deus te ajude a superar esse momento..
Bjs
Taty

aaale disse...

Olá...!!!
Sabemos o que é esse momento...e fico me perguntando o que nosso dia a dia, nossos dias corridos de trabalho acabam por devorar a gente e que percamos o contato...digo isso pela minha irmã que sempre foi tão próxima de você...digo porque passamos por tudo isso com nossa mãe, passamos por tudo isso na nossa família e nem sei o que você sabe que aconteceu aqui em casa...
Acho que nesse momento precisamos ser forte não por causa da partida iminente mas por causa da saudade que poderá se tornar constante!
Um grande beijo para aquecer seu coração!!!

Claudio Ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
GUSNIT disse...

Querido amigo, conte comigo pra tudo. E voce sabe que quando digotudo, é tudo mesmo! Se precisar, cá estou! Não de olhos amarelos, mas de olhos enternecidos.
Beijo e um abraço muiiiiiiiiiiiito forte!