quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Queridos, mas nem tanto amigos

Não sou especialista em TV para analisar esses 2 primeiros capítulos da minissérie "Queridos amigos", que a Globo vem exibindo desde ontem em um horário ingrato com o telespectador - que tem que ainda aturar a infâmia chamada "Big Brother Brasil" e os discursos pseudopoéticos do pseudojornalista e pseudopoeta Pedro Bial - e com o elenco, formado por "feras" que raramente são reunidas hoje em uma produção televisiva. Mas já considero ter algum conhecimento em outra matéria importante ali retratada: a vida e suas idas e quase-nunca vindas.

Reencontrar velhos amigos, sonhadores em fases mais jovens, inseparáveis há 10 ou 15 anos, pessoas que juravam que iriam "mudar o mundo"... nossa, que clichê! A idéia é por demais simplória, um lugar-comum que ronda ou já rondou a cabeça de todos. E é justamente nisso que, acho eu, reside o grande trunfo de "Queridos amigos". Li duas críticas sobre a série e ambas a acusavam de ser "mais do mesmo". Mas o que se esperava de um reencontro de pessoas que um dia sonharam juntas, mas que chegaram ao ponto de apenas se suportar para relembrar um tempo que passou e que nunca mais voltará?

No capítulo de ontem a bomba estourou. As diferenças, antes suportáveis, entre as pessoas apareceram na mesa e jogaram por terra o desejo-maior do amigo que organizou o reencontro: voltar a ser uma "família", como eram antes. Isso aparentemente. Na verdade, acredito que tudo transcorreu como esperado por ele. Os amores, os ódios, as diferenças, as similaridades, os sonhos frustrados, a mudança de planos, tudo estava ali porque tinha que estar. Uma grande lavagem de roupa suja. Uma roupa que não ficará limpa nunca, porque não é esse o objetivo. E mais um clichê se apresenta: é na diferença que está o aprendizado.

Senti saudade de zilhões de pessoas ontem. Até mesmo daquelas que eu odiava há 10, 15, 20 anos, com quem eu não sonhei porra nenhuma, não fiz planos, não desejei nunca mais reencontrar. Pessoas a quem odiei pelo simples fato de elas existirem e terem aparecido na minha vida. Pessoas que, por isso mesmo, me ensinaram a ser diferente delas, a agir de forma diversa ao que elas defendiam. Queria revê-las e jogar merda no ventilador, para, no fim, brindar a vida - a minha e a delas, bem longe de mim.

Também tive vontade de beijar e abraçar velhos "amigos", aqueles com quem sonhei, ri, chorei, mas que se foram no vento do dia-a-dia e da sobrevivência. Pensei em como seria hoje conversar com eles e ver que já não pensamos mais as mesmas coisas, que boa parte dos nossos idealismos foram embora pelo ralo no primeiro banho de realidade que tomamos ao iniciar a luta pelas nossas vidas. Mas que as lembranças do que um dia fomos - já não somos mais os mesmos, isso é óbvio - ainda podem nos fazer dar boas risadas a respeito do que um dia desejamos, mas que não nos diz mais respeito. Que esse desejo fique, então, como nossos filhos, sobrinhos, enteados, afilhados, sei lá mais quem. Nossos sonhos, hoje, são mais próximos do chão, e isso não é de todo ruim. E nem é de todo ruim que filhos, sobrinhos, enteados, afilhados, sei lá mais quem, sonhem próximo às nuvens. Foi lá que começamos. Mais um clichê.

Sei que toda essa vontade que me bateu ontem - e que talvez voltará a bater até o fim de "Queridos amigos" - acabará no dia seguinte ao fim da minissérie. Mas será bom nos próximos dias fechar os olhos e imaginar por onde andam os velhos "amigos" - mesmo aqueles que eram "inimigos" -, como eles estão, se estão vivos, se moram na minha cidade, se engordaram ou emagreceram, se casaram, separaram, tiveram filhos, assumiram sua homossexualidade, mudaram de religião, herdaram os negócios dos pais e prosperaram, herdaram os negócios dos pais e ruíram, construíram suas carreiras, sejam elas de sucesso ou de fracasso, fizeram plásticas para esconder as rugas que o tempo insiste em colocar na cara da gente, apesar de nosso horror a elas.

Boa parte dessas pessoas está ao meu alcance. Afinal, o orkut é um dos lugares mais clichês do mundo: lá vc reencontra pessoas que há milênios não via, inclui no seu rol de amigos e continua não as vendo, acredito que para manter a "mística do 'como será que essa pessoa está ao vivo e a cores?'" Mas, enquanto essa "lavagem de roupa suja" não sai das telas do computador - discutir relação virtualmente não é tão clichê, mas não tem a menor graça -, vou dar um beijo nos meus amigos do dia-a-dia, nos que a vida me trouxe após o "choque de realidade", e esperar aqueles que ainda estão por vir. Mesmo que sejam aqueles que um dia foram os meus queridos amigos, mas hoje não mais o são.

Nenhum comentário: